Por Hercília Correia (insta @herciliacorreia)
MM - Quem é a Hercilia?
Uma aprendiz da tríade mulher-mãe-profissional, tornando-se um ser mais humano a cada dia.
Em 2013, aos 37 anos, voltei para a sala de aula movida pelo desejo de tornar-me uma profissional da psicologia. Isso interferiu na minha dinâmica familiar e foi vivenciado como uma grande superação.
Em 2018, aos 42 anos, concluí a graduação e o mundo tornou-se demasiadamente amplo. Isso reverberou no meu desenvolvimento intelectual, resultou numa pós-graduação e vem sendo experienciado com alto rigor.
Desde então atuo na clínica particular, atendendo pacientes semanalmente e fui selecionada para lecionar no curso de administração, do qual sou egressa, tornando-me uma funcionária com carteira assinada.
Hoje, em 2020 e aos 44 anos, gestando uma vida pela 4 vez, reflito que mudanças são uma constante em minha vida e que elas operam na minha subjetividade tornando-me um ser humano mais competente.
MM - Como é ter filhos em diferentes idades?
É vivenciar questões físicas, psíquicas e relacionais diversas e distintas, pois cada persona é única e cada relação é construída em um contexto particular. Tenho filhos diferentes, independente de idades, pois considero cada um, seres extraordinários, que me convocam a ser uma mãe singular.
MM - Como foi ser mãe exclusiva e quanto tempo durou essa exclusividade?
Em 2003 fiquei grávida do primeiro filho e em janeiro de 2008 eu já era mãe de um filho de 3 anos, de um filho de 1 ano e 3 meses e uma recém-nascida. Foi aí que vi a importância do devir materno e da minha relação conjugal. Considero que vivi uma díade mulher-mãe e isso empoderou minha experiência de vida por dez anos. A exclusividade não estava no meu fazer profissional, mas nas escolhas de vida que permiti. Quando em 2013, resolvi tornar-me um ser humano mais qualificado, principalmente para meu esposo e meus filhos, voltei para a sala de aula para aprender um universo completamente desconhecido. Essa nova ação mobilizou minha família toda. Ampliou meu mundo e minha exclusividade de existir.
MM - Você já tem uma carreira profissional sedimentada. Como foi ser mãe e desenvolver essa carreira ou retoma-la?
Não considero, ainda, minha carreira profissional robusta. Do ponto de vista acadêmico, a maternidade impacta nas produções científicas e no fazer profissional pelos ciclos que filhos nos impõem pelo desenrolar do desenvolvimento psicossocial infantil e adolescente. Mas, utilizando o pensamento de Roland Barthes: “Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas logo segue-se outra em que se ensina o que não se sabe: isto se chama pesquisar.” Portanto, pesquisar, aprender e adquirir novos conhecimentos, ao meu ver, é a melhor tomada de decisão para um processo de autoconhecimento, desenvolvimento de uma carreira ou retomada profissional.
MM - Como é engravidar após 12 anos?
É super ambíguo. É sentir a potência feminina e a completude humana ao gerar um ser versus o receio do recomeço diante do que a sociedade institui, somado aos “medos bobos e coragens absurdas” que me autorizo a viver.
MM - Gravidez e mestrado. Quem veio primeiro?
Primeiro veio o desejo, a pulsão de vida, a vontade e a ação de estar no mundo levando-me ao mestrado como um caminho de maiores possibilidades. Meus propósitos ganharam novas perspectivas e esperanças. A produtividade fez de mim uma pessoa entusiasta e a mulher prolífera manifestou-se pela quarta vez.
MM - Ciência gera grande demanda de estudos. Como é conciliar ciência, gravidez, e expectativa de parto?
Uau! A pergunta foi um convite ao não procrastinar, mas pensar assim é ver minha existência em recortes. O todo pede mais harmonia e abre passagem para o caminho do possível. Há tempo para tudo ou tudo deve ser vivido no seu tempo. Prazos emergenciais imperam no cotidiano, mas procuro o percurso fluido, como água no topo da montanha que segue seu curso natural, e saboreio a vida.
MM - Qual sua maior dificuldade no mestrado? Você precisou superar algum desafio de aceitação?
A maior dificuldade que posso encontrar na vida, sou eu mesma. É quando não acredito na minha potência. É quando não anseio aprender ou quando vivencio a ideia de que estudar é o oposto de viver. Ambas são experiências que não devem ser vistas como um mundo à parte. Quando penso assim, me vejo pequena e querer ser grande é um desafio e acima de tudo, uma aceitação.
MM - A gravidez influenciou na forma como vc vê o mestrado até agora?
Influenciou muito. Fui instigada à interagir com pessoas e leituras que falam de marternidade e ciência de forma fascinante. Senti amparo e acolhimento dos meus pares e essa sensação trouxe mais ânimo para sonhar com igualdade de gênero e reconhecimento por competências. Isso eleva minha autoestima, aumentando minha resistência por sistemas que se apresentam soberanos no patriarcalismo ou na heteronormatividade.
MM - Tem alguma mensagem que você queira deixar ou algo mais que você gostaria de falar?
É sempre fértil falar. No método psicanalítico, a cura é pela fala. Acredito que a palavra, seja escrita ou pronunciada, pode ser o caminho para o autoconhecimento. Aspiro que nós, mães-mulheres-profissionais possamos experienciar a vida com perseverança e satisfação. Que possamos admirar a pintura Origem do Mundo de Gustave Courbet sem pudor ou que possamos valorizar o enfrentamento cotidiano de Carolina de Jesus com poesia. Espero ver o corpo feminino na performatividade dos novos tempos ampliando a virtude da maternidade e criando mais redes de apoio femininas. Por fim, agradeço a oportunidade de compartilhar meus pensamentos rogando que não nos falte arte, amor e desejo, pois o restante, a gente conquista.
Texto publicado originalmente em 01 de agosto de 2020.
Comments