Pensar que cada ser humano é único é tão clichê quanto desafiador. Você não acha que se partíssemos do princípio da unicidade de cada pessoa, haveria tantas formas de existir quanto pessoas no mundo? Pois é. Mas não é bem assim. Vamos começar este assunto pelo o que, talvez, seja o lado mais simples da questão.
Francisco, meu pequeno de quase 20 meses, desde a gestação é um “bebê magro”. Em quase todas as consultas depois de uma ultrassonografia, além dos checks para o desenvolvimento dentro da normalidade, vinha sempre o mesmo comentário: ele está no percentil 20. Aliás, chegou a estar no 13. As palavras vinham acompanhadas de um olhar que nos pedia atenção, mas eram abafadas com um "se ele tivesse abaixo de 10 é que seria problema!". E lá íamos Pedro e eu para casa, afoitos em busca de pesquisas a respeito do que é o percentil e mais, do que ele representa. Passamos a gestação toda com esta preocupação. Ouso dizer que boa parte do nosso deleite em curtir nosso menino enquanto ele ainda vivia dentro de mim, foi roubada pela magreza que o acompanhava insistentemente.
Chico nasceu com 2k900g. Nada que assustasse a equipe médica. Ganhou peso devagar e sempre e, hoje, do alto dos seus 1a8m, ainda é um garoto magro. Não está no percentil 13, mas não passa do 50 nem por reza braba! Já até me perguntaram se ele come bem (com insinuações que pudesse estar subnutrido). E posso falar? Ainda me pego com vontade de dar alguma vitamina pra ver se ele ganha mais peso, no entanto, antes de tomar esta atitude, me demoro a observá-lo e percebo que mesmo sendo uma pessoa aberta à diversidade, ainda me vejo tentando encaixar meu filho em um padrão. Tão novo e já sendo forçado a entrar em uma caixa que não lhe cabe.
Esta história vem muito a calhar para tratarmos da necessidade de falar a respeito da diversidade. Eu sei que o tema pode ser muito aprofundado e horizontalizado, já que há uma infinidade de abordagens para esta palavra. Aqui, pontuarei a questão da diversidade pelas lentes das possibilidades de corpos, o que já nos dá bagagem suficiente para nos demorarmos.
A ideia de corpo ideal não é de hoje. Se observarmos o caminho que a história faz, podemos chegar na Antiguidade e compreender que o culto ao belo já era vivido. Mesmo assim, há muitas nuances neste tracejado do que era considerado belo. Na Grécia Antiga, por exemplo, as mulheres não se bronzeavam e os homens deveriam ser fortes para que pudessem lutar nas guerras. Já na Idade Média, as mulheres deveriam se vestir dos pés à cabeça, em sinal de semelhança à Virgem Maria, isso sem falar na conotação de alma impura que o corpo “defeituoso” ganhou (novaescola.org.br). Enfim, poderíamos passar pelo Renascimento, pelos anos 80 e chegar nos dias de hoje, que veríamos mudanças drásticas sobre o que é ser bonito ou feio, saudável ou doente. O que vale tirar deste parágrafo é: sempre há um padrão no qual deveríamos nos encaixar. E pior: as crianças não estão de fora.
Desde muito pequenas, as crianças são ensinadas a se comportar no mundo, tanto pelas pessoas que as rodeiam em um círculo mais íntimo como seu pai, sua mãe, seus avós e tios, quanto pelo círculo social, como na escola, por exemplo. E é nesta convivência múltipla que podemos ensinar a estas pequenas pessoas a respeitar a si mesmas e aos outros por quem são, exatamente como são.
Veja, não falo aqui que as referências (como o percentil) ou os marcos de desenvolvimento não são importantes. Sei perfeitamente que estes números são frutos de estudos científicos, os quais respeito e confio. Acontece, que não podemos resumir nossos filhos e filhas em gráficos e curvas de crescimento se queremos uma sociedade de inclusão e respeito das diferenças. Já imaginou se todos fôssemos iguais? Ou pior, se fôssemos diferentes e nos obrigassem a ser iguais? Seria um grande pesadelo, não é mesmo?
Sendo assim, é preciso que tenhamos um olhar atento para a necessidade de valorizar e potencializar as diferenças, tanto em nossas crianças quanto em nós mesmas. Afinal de contas, há também uma certa resistência na compreensão das diversas maneiras de maternar. E sabemos muito bem disso! Quantas de nós não vivemos cobranças excessivas (dos outros de nós mesmas) a fim de cumprir uma meta que nem faz sentido para nós ou que até faz sentido, mas que nas circunstâncias em que vivemos, seria impossível cumpri-la?
Então, o recado que este texto se propõe é: estejamos abertas a olhar nossas crias de perto para, além de admira-las, possamos apoia-las na caminhada de fortalecimento das suas próprias identidades, dos seus corpos, das suas potências como pessoas diferentes que são.
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