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Foto do escritorMestrado Maternidade

[Diário de quarentena] Maternidade: quem disse que dá para manter um pé em cada canoa?

Enquanto escrevo este texto, Pedro canta ao meu lado em alto e bom som: old Macdonald had a farm, e-i-e-i-o, and on his farm he had some (e Chico completa) horse e-i-e-i-o, e seguem na música, infinitamente. Ou até quando não souberem mais quais animais o velho Macdonald tinha e nem quais eram os sons que eles faziam.


Por muito tempo, mais precisamente em torno de doze meses (ou um pouco mais), acreditei que em algum momento da minha vida, que conseguiria ter um pé na maternidade e um pé em minha realização profissional. Acreditei que isso viria quando Chico começasse a andar ou comer alimentos sólidos. Que viria quando tivesse uma pessoa para ajudar. Ou que viria quando, finalmente, Pedro pudesse ficar mais em casa e, assim, cuidar do Francisco enquanto eu me sento para escrever ou ler, por exemplo.


Esperei este momento inteiro para mim por todo este tempo. Sabe, aquele momento em que a gente sente a ideia vindo, a gente se inspira e vai criar algo, seja qual tipo de criação você faz. Será que todes reconhecemos este sentimento da vontade nascendo? Tomara que sim!

Por vezes, pensei que era uma questão de tempo. Ou melhor, que era uma questão do Francisco ter e querer um tempo sem mim. Até acho que é isso mesmo. O que eu me enganei, redondamente como a Terra há de ser (contrariando os terraplanistas de plantão) foi “de que tempo eu estava falando?”

Vivendo a realidade em que estamos hoje, dias atrás estava assistindo à live do Papo de segunda, um programa do GNT em que quatro homens conversam sobre a vida e suas implicações, quando o Francisco Bosco, filósofo-poeta-escritor, mencionou que trabalhar home office com criança em casa é como se tivéssemos migalhas de tempos aqui e ali para nos dedicarmos ao trabalho. Fiquei olhando. Ele disse aquilo com uma certa novidade, um sorriso nervoso e rendido àquela situação tão posta.

Ali, é certo que percebi como se a pandemia estivesse trazendo para perto dos homens, a crua e emocionante rotina de uma mãe que se dedica a cuidar da cria e a trabalhar. Ainda assim, na voz do Francisco o que se revelou foi a paternidade. E como a respeito! Embora, aqui, estejamos falando de maternidade. E acreditem, muda tudo.

Desde março, quando passamos a viver de um modo que ainda não tínhamos experiência, venho me estranhando comigo mesma. É aquela velha sensação que eu deveria estar deste ou daquele jeito, que deveria conseguir cuidar do meu Chico e trabalhar (com algo que eu amo, aliás), que eu deveria, inclusive, olhar com mais afeição para minha mulheridade. Eram tantos “deveria” que passei a enxergar a maternidade como uma face de mim mesma. Como se pudéssemos nos despir desta roupa ao final do dia, quando a cria dorme.

Certo dia, conversando com minha amiga Bia (mãe da Marina) lá pelas onze da noite, quando todos já estava dormindo, ela soltou: “a maternidade é aquela canoa em que precisamos estar com os dois pés dentro.” Foi um alívio e uma sentença ao mesmo tempo. Mas será? Mas será que não tem jeito de desvencilhar um pouco? Será que não dá para ser mãe em uma hora e ser mulher em outra? Ou escritora em outra? Não. Não dá.

(eu que lute)

Conseguir dar conta de manter a casa cheirosa, o trabalho em dia, ter ideias novas, molhar as plantas, comprar uma lingerie rendada (diferente dos sutiãs de amamentação tão práticos e confortáveis) ser mãe do pequeno Chico Chicote, é possível. Diria que necessário, em certas ocasiões. O pulo do gato está em estar atenta para uma verdade que venho percebendo: Em nenhum dos momentos em que nosso filho não esteja conosco, deixamos de ser mãe. A maternidade não se põe e tira. Ela é a tatuagem de trevo da sorte em nosso ombro esquerdo.

Agora mesmo, estou ouvindo Pedro e Francisco brincando na sala. E quando olho de canto, pela fresta da parede, entre o quadro do Ganesha e os chapéus de jardim, meu menininho está me olhando como quem diz: vem (e ele faz com a mãozinha). E eu vou.

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