Por vezes, me senti culpada por participar menos do dia-a-dia da minha filha do que o pai dela. Depois da licença maternidade, voltei ao trabalho sem flexibilidade de 8h por dia, fora ida e volta. Chegava cansada, sem paciência e não tinha saúde de ficar acordando de madrugada para levantar cedo no dia seguinte. Dias de estresse mental além do emocional abalado pela vontade de estar mais tempo com ela.
Recebi muitos olhares e comentários críticos pela Lais ser mais apegada ao pai do que a mim, por ela chorar mais comigo do que com ele, por ela ter aprendido a falar "papai" antes de "mamãe".
Por que é considerado normal a criança aprender a falar "mamãe" primeiro? Por que eu sinto como se eu tivesse que ter mais apego da minha filha do que o pai tem? Por que, agora, a culpa de deixar ele levantar de madrugada já que ela desmamou, sendo que por meses seguidos eu fiz isso várias e várias vezes por horas toda noite enquanto ele dormia?
Isso tudo acontece porque, nós mulheres, também somos machistas.
É isso ai: O machismo não acontece apenas nos comentários de amigos ironizando o pai com um "Está de babá hoje?" ou "Você é pau mandado, cara...".
Nós, mulheres, não queremos abrir mão do papel que a sociedade nos coloca e no qual somos julgadas caso não atendamos às expectativas do estereótipo.
Não queremos ter que explicar certos questionamentos ou olhares espantados.
Meu marido é amigo das mães e babás que eu nem conheço.
E, pra ele, está tudo bem.
Alguém um dia perguntou à ele "Por que vc não deixa que a mãe leve sua filha ao circo em vez de sair mais cedo do trabalho para isso?"
Ele respondeu "Porque eu quero levá-la ao circo".
É disso que precisamos. Precisamos de pais que batam no peito e chutem pro gol. Precisamos de pais que entendam que são pais e que, por isso, devem participar de cada momento simplesmente porque é bom. E só saberão que é bom, quando forem realmente pais.
Com todas as transformações que a sociedade vem passando neste século, cada vez é maior o espaço para novas estruturas familiares e equidade nos papéis. As mulheres vem se consolidando no mercado de trabalho e, ainda que estejam longe da relação 50/50 principalmente com relação a salários, muitas já são responsáveis pelo sustento da família.
Mesmo assim, ainda são as mulheres que engravidam, dão a luz e amamentam. E, talvez por isso, ainda sejam vistas como as únicas responsáveis pelos filhos. Se sentindo sem saída, são elas que geralmente abandonam a carreira para cuidar da cria e, ainda por cima, são responsabilizadas pela perfeição na educação e no cuidado da casa.
Crianças pequenas exigem cuidado 24h por dia. Trabalhar fora em tempo integral leva em média 10h por dia considerando o caminho de ida e volta. Fora o tempo de deixar a criança na creche e das tarefas domésticas. É matemática: a conta simplesmente não fecha para uma pessoa sozinha. Dado isso, ter uma pessoa na família sendo responsável única e exclusivamente pelo sustento da casa não é um uso eficiente de "força de trabalho".
Quem trabalha fora, não pode se dar ao luxo de chegar em casa e deitar para ver tv como se fosse possível desligar a criança e demais tarefas até o dia seguinte.
Dizem que "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança". Na minha opinião, numa situação normal, se existe um pai e uma mãe que entendem seu real papel na paternidade e na maternidade, é suficiente. Há estudos que mostram que todos os indicadores de desenvolvimento da criança melhoram quando ela tem um segundo cuidador. É melhor para a saúde física e psicológica dos cuidadores e melhor para o desenvolvimento da criança.
Todo mundo ganha.
Aqui em casa, nunca pensamos em ajuda externa mesmo nos primeiros dias da Lais. Bastávamos. Somos dois! Um dorme, o outro cuida. Um da banho, o outro cozinha. Eu amamento e ele prepara meu prato do jantar. Eu tomo meu banho, ele nina a bebê. Ele vai jogar bola, eu apronto ela para a cama. Eu saio com as amigas, ele cuida do almoço dela. Quando ela dorme, ambos temos tempo juntos para o que quer que seja.
Todo mundo ganha.
É claro que isso só foi possível durante todo o tempo, pois eu tive licença maternidade e ele tem flexibilidade no trabalho. Se o pai, num país em que praticamente não existe licença paternidade, tem que trabalhar 8h por dia, seria adequado ter mais alguém na rede de apoio à mãe ou, que ao menos, chegando em casa o pai assumisse a paternidade para que a mãe possa descansar e buscar seu equilíbrio emocional.
Após minha licença, voltei ao trabalho e o pai da Lais assumiu a maior parte do tempo com ela durante o dia. Consequência: ele tinha muito mais paciência do que eu, ela era mais apegada à ele, ela chamava por ele quando precisava e não por mim, ele era muito mais seguro do que eu ao cuidar dela sozinho. E quando eu estava em casa e ele tinha que ir ao mercado, por exemplo, eu dizia "deixa ela comigo para vc ir tranquilo". Ele olhava para ela e dizia "Não, ela é minha companheira de rolê!" e saia com ela no canguru.
Isso não tem preço! E não digo p/ mim. Digo que não tem preço para "o pai e a filha". Vejam a relação que construíram! E que eu tanto invejava...
Enquanto eu estava engajada na luta para participar cada vez mais da rotina da minha filha, nas poucas horas do dia que eu tinha em casa, aconteceu a pandemia.
Por isso, por pior que seja, a quarentena tem sido um presente pra mim. Estou em casa (aos trancos e barrancos sim, como todos), mas pude de perto acompanhar e realmente conhecer minha filha. Buscar essa flexibilidade que eu tanto precisava para que ela me sinta perto, me reconheça e também me procure. Somos mais parceiras, apegadas, compreendidas, sem culpa e, agora, ela sabe que pode chamar tanto a "mamãe" quanto o "papai" dela para seja o que for que ela precise.
Estamos longe de ser a família perfeita (mesmo porque não acho que ela exista). Também brigamos, também nos cansamos e temos dias bons e ruins. Ser pai e mãe cansa, assim como trabalhar cansa, assim como exercício físico cansa... E assim como tudo tem um propósito maior e uma recompensa, nós seguimos nos dando apoio emocional, suporte nas atividades do dia-a-dia, para que ambos possam continuar sendo marido e mulher, amigos, filhos, o Leandro e a Marina, além de papai e mamãe da Lais.
Pais, sejam pais! Assumam a paternidade e todo amor que vem com ela.
Atenção mamães: deixem que eles sejam pais. Ajudem apenas se solicitadas ;)
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