Quando eu estava grávida de oito meses, nos mudamos para a casa que moramos hoje. Além dela ser cor-de-rosa com detalhes em azul e de ter um telhado magnífico feito pelo Jarbas (um luthier talentosíssimo e amigo da família), reservamos um terreno ao lado para construir um "espaço de lazer". Esses dias atrás eu estava revendo as fotos do meu trabalho de parto e lá estava o quadrado não-perfeito de terra vermelha esperando o tempo e a dedicação para que fosse transformado em jardim.
De lá para cá são quase 20 meses de intervalo. Nunca imaginei que me sentiria tão alegre em cuidar de plantas, de vê-las crescendo com força, de vê-las morrendo à mingua, de fazer horta, desistir da horta e comprar um guarda-sol para tomar o café-da-tarde apreciando o mais novo canteiro de impatiens.
Desde que começou a quarentena, como um ritual quase que diário, saímos porta afora com nossos apetrechos de jardineirxs. Pedro carrega um regador verde e grande para molhar as mudas das trepadeiras que ele plantou na beirada do alambrado. Engraçado perceber a persistência dele em fazer essas mudas vingarem. Minha tia Darlete nos deu o passo-a-passo de como deveríamos retirar os brotos da casa dela para que elas “pegassem” com força. Chegando em casa, Pedro as colocou na água e lá deixou até que elas brotassem raízes e depois, tratou de plantá-las. Deste momento em diante, é bonito de ver: uma a uma, com o regador verde, lá vai ele molhando e elas vão trepando nos fios de aço.
A minha função neste trabalho em equipe é a de cuidar das flores (já foi a de cuidar da horta). Me tornei aquelas pessoas que pedem "mudinha" para a vizinha e que quando vai à casa da mãe, SEMPRE coloca uma suculenta debaixo do braço para enfeitar minha casa. Há poucos dias, aliás, minha mãe e eu fizemos um canteiro de flores coloridas (as impatiens que citei lá em cima) e eu acabei pintando um caixote de madeira para acomodar outros vasos que tenho: uma orquídea que ganhei da Beatriz quando Francisco nasceu, uma muda dada pela minha vó Ide, um pé de boldo e um vaso de onze-horas, que é o presente que fiz para minha amiga e ainda não entreguei. E não pense que acaba por aqui. Ainda há as samambaias (Creuza, Creuza filha, Creuza neta) que talvez sejam as plantas que eu mais gosto dentre todas!
Uma das cenas que acho mais ternas de assistir é o Francisco com seu regadorzinho meio quebrado pedindo para que eu coloque água e ele possa ajudar o papai a molhar as mudinhas. Geralmente ele está com seu chapéu cor-de-laranja escrito African e uma disposição de dar inveja. Esses dias atrás Pedro não pôde molhar as mudas e me pediu este favor. Fui logo chamando o Chico para me ajudar e fiquei impressionada! Ele ia andando, me apontando cada plantinha (sem errar uma!) e dizendo com aquela voz que dá vontade de morder de amor: esse. esse. esse. Demos a volta no quadrado todo, até chegarmos no pé de manjericão, onde ele arrancou uma folha e cheirou com um sorriso maroto no rosto. Vocês acreditam nisso?
Em meio a esses sentimentos tão difusos e antagônicos que vêm emergindo em mim, me deixando hora com a confiança de quem sabe que tudo vai acabar bem e hora com o medo de quem sabe que tudo pode acabar mal, surge uma leveza que se reflete em nosso jardim com suas nuances de vida e morte. De nascer em um dia, de acabar em outro. Eu sinto que para além de me comprometer em fazer das nossas plantas fontes de beleza inesgotável, o ato de cuidar delas, apará-las, me deparar com as formigas cortadeiras, comprar ferramentas necessárias e viver com o Francisco esta experiência com a terra, me traz o conforto de um abraço que não pode ser dado agora.
Ontem, em uma conversa profunda com Pedro sobre do que gostamos e queremos manter em nossas vidas e do que não gostamos e queremos abandonar, perguntei: do que você gosta? E ele respondeu: De ver nosso jardim crescendo.
Eu também, Pedro. Eu também.
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