Por Lívia Macêdo
Quando nos propusemos a escrever sobre a ausência da nossa rede de apoio, pensei logo em como me vejo descabelada sem Adélia (a funcionaria da casa, como ela mesmo disse que gosta de ser chamada), sem a escola de Maria e sem minha família. Então comecei a pensar na vida que Adélia tem levado. Por fim, passei a olhar como meus vizinhos estão vivendo essa pandemia. E ai, o susto da realidade volta e bater a minha porta.
Vamos por partes. Primeiro, minha vida realmente mudou com a quarentena. Eu me via num processo de retomada da minha individualidade e dois eram os principais motivos: Maria estava se adaptando na escola, e eu podia contar com Adélia para cuidar da casa, sem me preocupar. Se, por acaso, Maria não pudesse ir à escola, lá estava a super Adélia para me socorrer. Ela e Maria são super parceiras, se adoram. Além disso, com frequência, eu podia ir visitar minha família que mora em outra cidade (ver texto “saudades”).
Com a chegada da quarentena, as aulas obviamente foram suspensas. Maria que estava em adaptação, não quer saber de ir pra escola. Quando pergunto se ela quer ir pra escola, ela logo responde: não mãe, escola não. Já era a adaptação....teremos que passar por tudo de novo. E não foi fácil, como já relatei no texto “saudade aliviada” postado aqui no Blog.
Pedi que Adélia se protegesse, cuidasse dos filhos dela e ficasse em casa, como é o direito de todo cidadão neste momento de risco. Por diversas vezes, quis chama-la para dar um me salvar na zona que está a minha casa. Mas ao mesmo tempo, me vem aquele pensamento: ela vais e expor muito vindo até minha casa. E não a chamei. Ou vivo na minha bagunça, ou dou um jeito na casa. Alguns dias eu dou um jeito, outros dias meu marido se empolga e dá um jeito ele mesmo.
E ai, quando passeio dentro do condomínio onde moro, vejo diversas casas com faxineiras trabalhando, ou com obra / reforma em execução. Hoje, minha vizinha chamou o jardineiro. E ai é que a realidade me assusta. E se esse jardineiro ou a faxineira pegarem Covid19 por estarem vindo pra cá? E se não conseguirem hospital para se tratarem? E se morrerem? Será “e daí, lamento, você quer que eu faça o que”? Chamando para fazer uma diária certamente não é a única forma que as pessoas têm de ajudar essas famílias. Sim, porque se você tem dinheiro para pagar uma diária e tem saúde, como os casos específicos que citei, então você mesmo pode viver na sua bagunça ou fazer sua arrumação e ainda assim, manter o pagamento que seria frequente, caso não tivéssemos a quarentena.
Eu entendo que a ausência de rede de apoio de qualquer pessoa traz consequências, muitas vezes ruins. Porém, não acredito que isso seja motivo para expor a vida desses mesmos que formam nossa rede. Ao contrário, essa é a hora de demonstrar a tão falada gratidão e compaixão que temos por todas as pessoas, principalmente as que nos ajudam. Não adianta lutarmos para uma mudança política, se não mudamos nossas próprias atitudes, se continuamos acreditando que o nosso umbigo é o centro do mundo.
Quer saber? Minha casa vai continuar mais ou menos bagunçada, mais ou menos arrumada. Assim que esse momento passar, e se o impacto desse momento continuar permitindo manter essa rede de apoio, eles estarão de volta e logo terei o suporte deles de volta. Aproveito a oportunidade para ensinar a minha filha os afazeres domésticos rsrs.
O lado bom em meio a crise
Por Marina Oliveira
Já tive a oportunidade de falar sobre nossa rede de apoio em outro post. Basicamente são os queridos avós ;) justamente o público alvo do covid-19. Assim, a Lais passa a ficar afastada o máximo possível desse contato.
Por outro lado, com a quarentena e home office, essa rede de apoio deixou de ser uma necessidade nos casos de termos que resolver algo e precisarmos deixar a Lais com alguém. Nos raros casos de ir ao mercado, eu ou meu marido fica com ela em casa.
Tivemos que nos reorganizar com a faxina, por exemplo, que ficava por conta da diarista uma vez na semana e estou tendo que lidar com a Lais me chamando ou gritando do nada quando estou no meio de reunião com todos os diretores por vídeo. Também não acontecem mais os passeios a sós com o marido quando a Lais passava um tempo com a vovó.
Por outro lado, e focando somente na parte positiva do isolamento, tem sido um presente pra mim. Consigo acompanhar o dia a dia da minha filha, e isso sempre me incomodou por eu passar ao menos 12h longe dela por dia. Posso assistir aulas para me exercitar em horários que antes não podia comparecer. Estou economizando bastante sem poder sair de casa. Não me estresso mesmo trabalhando mais do que o normal nessa quarentena, pois estou em ambiente familiar e a organização das horas e atividades estão no meu próprio gerenciamento. Não gasto tempo inutilmente no trânsito por volta de 3 horas por dia e, consequentemente, durmo mais. Por fim, tem quase dois meses que meu marido não sai para joga bola kkkkk.
É claro que existe o lado ruim, afinal é um isolamento obrigatório que tira nosso direito de ir e vir quando bem entendermos e de nos reunirmos pessoalmente com quem amamos. Contudo, nesse post gostaria de manter meu foco nos pontos em que estão fazendo os meus dias mais felizes. Momentos inéditos e que dificilmente voltarão a acontecer em tempos normais. Tento curtir esse lado bom enquanto durar.
[Diário de quarentena] Um agradecimento especial à Verena (Chico está de acordo)
Por Marcela Elisa
Às vezes, sinto a ruína nos meus pés. Diz a astrologia que Plutão, planeta tão proeminente no céu nestes dias em torno de nós, nos chama para pensar sobre os fins. Os pontos finais da vida.
A Verena, pessoa que nos ajudou a cuidar do Francisco desde que ele era um bebê atento de seis meses, há 41 dias não chega com seu ford Ka no terreno da nossa casa. E isso nos impactou de uma maneira radical, de tantas formas que você possa imaginar.
Me lembro do primeiro dia em que a vi pessoalmente, se eu não me engano foi no seu primeiro dia de trabalho mesmo, tamanha confiança e certeza que eu tinha de que seria uma benção tê-la conosco (minha prima Fernanda me alertou quando a indicou para mim: “você vai adorá-la”). Ela chegou, entrou em casa com seus óculos de gatinho e um olhar apaziguador. Me lembro do aperto no peito que senti, mesmo diante de uma pessoa que eu sentia que cuidaria do Chico como todo respeito e amor que acredito ser um direito seu: ser tratado de forma amorosa e respeitosa.
Além desta presença nas manhãs do Francisco, ela também se fazia presente nas minhas manhãs. É porque a Verena se ocupava com meu filho das oito ao meio-dia, que consegui ter tempo para me reencontrar, principalmente na vida profissional. Parir, amamentar e cuidar de uma criança exige toda potência que uma mulher pode ter, entretanto, algumas mulheres parecidas comigo sentem vontade (diria necessidade) de atender à desejos que, nem sempre, estão ligados à maternidade em si, mesmo sendo um desdobramento dela. E isso demanda tempo de dedicação. Eu diria que a Verena foi, para mim, a senhora do tempo do tempo.
Desde que o mundo já não é mundo, a Verena tem ficado em casa com os seus, como é de sua responsabilidade. Claro que isso obrigou a nos reorganizarmos quase que completamente para conseguir dar conta do trabalho, do dinheiro, do Francisco, de nós. Mas mais do que isso, a ausência de uma pessoa de nossa rede de apoio quebrou nossa fluidez. Estabeleceu outra, na verdade. A minha mãe, como uma avó bondosa e prestativa que é, nos apoia na base em muitas das vezes que precisamos nos ausentarmos ou quando precisamos ver o pôr-do-sol fora de casa. Só nós.
Me lembro claramente do dia em que ela chegou e eu estava chorando, no meio do puerpério. Que conforto foi sua companhia! Me lembro das vezes que Chico chorava quando ela ia embora para dar almoço para o Rafa, levá-lo na escola e ir para o segundo trabalho. E das vezes que deixei Chico no colo dela, mesmo com ele pedindo para ficar com a mamãe. Puta merda, dói. Mas, às vezes, dói mais não atender aos nossos próprios chamados, não é mesmo? A Verena é tão “gente boa”, que muitas manhãs passavam comigo e ela conversando sem parar e cuidando do bebezico juntas. Tínhamos sorte, eu sei.
Desde que os dias se tornaram novidades, em seu sentido último, Francisco aprendeu a falar uma imensidão de palavras, dentre elas, “Vevê”. Há dias em que ele pega o celular (cecé), fala alô (aô) e emenda Vevê. Ele fala certinho: Vevê. E entramos em algum aplicativo de vídeo para uma conversa saudosa, com risadas, com certeza.
Verena, sem deixar passar a falta que estou sentindo de você, escrevo para dizer: Muito obrigada! De coração. Saiba que estamos nos esforçando para reconfigurar essa rede que se rompeu. Sabemos que você tem os seus para cuidar, agora. Saiba que quando uma mulher se une a outra, é foda. E isso faz abrir uma janela de questões até então encobertas: como a rede de apoio é essencial na vida emocional de mães e pais; como a rede de apoio impacta, principalmente, as mulheres, em seus papéis fora da maternidade; como eu sinto sua falta, Vê.
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